terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A nova poesia de Minas Gerais, Brasil...

 
Capa do livro "OIRO DE MINAS a nova poesia das GERAIS"
 
 

Amanhã não publicarei o habitual tópico “Poemas de Amigos”, vou proceder a um breve descanso. Não é por falta de textos, pois ainda me restam cerca de 100 autores para publicar.

 
Hoje vou fazer uma alusão à poesia que se vai fazendo por terras brasileiras, mais precisamente no estado de Minas Gerais, publicando um pequeno conteúdo da obra “Oiro de Minas – a nova poesia das Gerais”, numa selecção da poetisa Prisca Agustoni (que também prefaciou o livro), com trabalhos de 10 autores, uma edição (única de 500 exemplares) Pasárgada / Ardosia, coordenação de Ozias Filho, com o apoio da Casa da América Latina e do Espaço Cultural “Quinta de Milflores”, Embaixada do Brasil, em Lisboa, Novembro de 2007. Deliciem-se!...

 

A SOLIDÃO (página 22)

 
A solidão ama
corações completos.
É noiva que propõe
tachonar a liberdade.
Visita qualquer um,
criança ou adulto.
Brota nos travesseiros
como flor de macela.
E muitas vezes arma
seu camarim num tumor.
É a noite terrível
que se adere ao sonho.

Eustáquio Gorgone de Oliveira

……

 
QUEDA (página 31)

 
No outono, a carne soçobra.
As maçãs do rosto cedem
e a testa expõe seus vincos.
Os lagartos procuram as rochas
e pedem sol para suas couraças.
Vista da janela,
a cidade das cinzas
provoca cansaço e náusea.
O mar de pedra soterra
a árvore dos brônquios.

Donizete Galvão

……

 
MOSAICO (página 49)

 
Dissociadas as palavras
e seu desencanto.
Ninguém responderá
pela cor do dia.
Todos vão ficar embaraçados:
(a memória
na curva
de nós mesmos).
Não se erga essa mão,
o grito infirma.
    
No pátio de outra manhã
daremos melhor desculpa.

  
Júlio Polidoro

……

 
DOIS (página 64)

 
dois irmãos no começo. o que sabe o
caminho e o outro: dois. e não há
retorno. dois irmãos desde nunca. um,
o que vê e conta. outro, o que ouve.
dois. não se separam. por onde passam,
o mundo: o coração de um pássaro,
desvios, carcaças de antílopes, cidades
riscadas do mapa, o dorso tigrino de um
presságio, o tempo mais velho, um deus
trocando a pele. dois irmãos ainda agora.

Ricardo Aleixo

……     

 
PAISAGEM COM FRUTAS (página 72)

 
Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.
 
Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra

Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.

Maria Esther Maciel

……

 
AVÓ DEPOIS DE MORTA (página 88)

 
A avó ainda rega o canteiro
onde mirraram os brinquedos.

Mesmo morta ainda
ralha com a tempestade
que escondeu os meninos
em outra idade.

Fernando Fábio Fiorese Furtado

……

 
ARCA (página 104)

 
Para conter a sete chaves dá-se a arca.
Senhora de si, contra cupins e traças,
contra a ameaça dos anfíbios. Maior a do
esquecimento. Passando de casa em casa,
de um parente a outro atinge a inércia de
jamais ancorar. Embora seja esse plural
da vida, alguma raiz reclama seus gumes.
Arcas são abraços de vegetal e homem,
contrato de gravidez. Uma vez no rebojo
se multiplicam em alarmes. Em pugnas
e morte, em lençóis enxovais, em minas.
Para exibir a sete chaves o invisível só
mesmo a arca e a família que nos habita.

Edimilson de Almeida Pereira

……  

 
DILÚVIO (página 121)

 
lento
por entre os autos
o amor elabora seu queixume

as águas vieram
perfurar a ordenação dos meses
arquitetura que se entrega
à escarpa amarelecida
por seus tomos

o amor sedimentou meu corpo
no corpo de outros viventes
ouço ainda
o trabalho dessas fusões

o seu leve fascínio
pelo extermínio

Iacyr Anderson Freitas

……  

 
A COMPOSIÇÃO DA PALAVRA (página 133)

 
a derradeira nascente
acende a ilha cercada de águas
à derradeira vertente
os lobos
é que varam atrás de alimento
e a primípara seta eu é que lanço
e vôo

Wilmar Silva

……

 
FICANDO TARDE (página 144)

 
Estou ficando tarde. E o tempo
vai carpindo antes do tempo
rugas de cansaço e lucidez.

Com ar de melancolia
(estou ficando tarde)
percorre o rosto um sorriso.

As horas se gastam, amarelam
como quando a vida arde
- ó albor – na pele, sem aviso.

Fabrício Marques

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