42 - Joaquim Pessoa
É um gato, é um galo, é galinha, é assim
uma espécie de coisa de nada, nadinha, é um golo anulado,
é um fado, uma fada, uma fala, uma fila de espera.
É tudo, afinal, o que queres, o que ainda souberes e puderes ver.
Não te sintas assim, nem assado, nem coisa nenhuma,
quando rompe a manhã e te irrompe o desejo
de ensaiar um truque com teus dedos. Fazer desaparecer
as tuas mãos. Mas não vá, vê lá!, o ensaio falhar
e por aí andarem a agarrar, a roubar, a empurrar, a seduzir,
ou até a rezar, as tuas mãos. Vão ter saudades tuas,
vão querer voltar à pátria do teu corpo, frias, nuas,
como um casal de emigrantes que regressa. Ora essa!,
dirás, por onde andarão as minhas duas mãos?
as minhas duras mães,
as que pariram coisas, muitas coisas, muitos medos,
as que fecharam cofres, as que abriram segredos,
assinaram papéis, exibiram anéis, lacraram a esperança
e numa dança, num bailado a que não resiste a própria pele,
cavaram a diferença, somaram a doença,
vestiram de obsessão o pedregulho
rolado para o pátio da sentença e do orgulho.
E então é uma fera, é uma faca, é uma força, uma corça
que escapa e que foge da forca e da fera e da faca
e se encontra contigo e se torna ameaça aos teus pés,
tu quem és
num país que se esquiva, e te obriga, e te esquece de vez?
És o caso, és o caco, és a caça, és a casa encantada,
uma espécie de corpo, e de coisa de nada,
nadinha,
és a espinha, és um golo anulado
de uma falsa vitória, uma cruz na memória, uma cruz do império
dos teus cinco sentidos, dos teus sempre atrevidos momentos
que a coragem desterra, sete anões, sete iões, sete ventos,
sete palmos de terra. Quando o teu sofrimento
determina o momento
em que a paz faz a guerra.
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