63 - José Alberto Valente (Jaber)
O poema não tem morada,
nas ruas onde pernoita
as sombras esperam a luz que lhes falta,
respiram o luar e soletram às estrelas.
O poema é filho da palavra,
mulher feita e oferecida
de faca na liga e palavrão fácil,
anda de eira em beira,
orgulha-se do flanco sinuoso
que oferece impudica
ao gume de um ventre entumecido.
O poema existe desde sempre
na tragédia do ovo
que despenca do frágil ninho.
Na criança parida nas ruinas de uma bomba.
Na gargalhada da puta de esquina,
no gorjeio infantil das letras
soletradas pela primeira vez.
O poema é sarcástico,
mau até
no trinar fogoso de uma metralha
que leva a morte e a dor,
vadio na voz do fadista
e dançarino nas voltas de um tango.
O poema é a flor que te ofereço,
a voz que te canta,
nasce nos lábios que te beijam
e esmorece feliz na boca quente que me inspira.
O poema és tu, mulher.
José Alberto Valente (Jaber)
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