terça-feira, 7 de abril de 2015

Ary dos Santos





A FACA

A palavra será faca
o sentido será gume
a imagem será chama
mas a matéria é o lume.

Lume dos nervos riscados
pelo fósforo do medo
lume dos dentes cerrados
pela goma dum segredo.

Lume das faces de cera
lume dos dedos de cal
lume golpe  lume pedra
lume  silêncio  metal.

Lume que se acende a frio
e nos devora por dentro
lume agulha  lume fio
da faca do pensamento.

Lume navalha que rasga
o ventre da solidão
vingança de quem se gasta
queimando frases em vão.

Lume lembrança das coisas
que nos arderam na voz
cinza viva que nos corta
e nos separa de nós.

José Carlos Ary dos Santos (1937-1984), in “Vinte anos de poesia”, página 77, edições Círculo de Leitores, 2.ª edição, Maio de 1984.  

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