quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Joaquim Pessoa - 2


Desta feita vou repetir um autor: Joaquim Pessoa, com dois textos de um grande livro, com o qual ando, diariamente, em conversação e leitura, nestes últimos tempos: “Guardar o Fogo”. Recomendo-o, viva e avidamente, à leitura. Fiquem bem! Meu abraço.





sobre alguns poetas

 
Há poetas puríssimos. Higiénicos.
Que não bebem vinho tinto nem conhecem
o sabor das palavras mais amargas.

Há poetas fechados em gaiolas de oiro.
Portanto livres. Logo, felizes.

Há poetas eleitos.
Não se sabe por quem, é verdade,
mas são tão divinos como a chuva.
Tão finos como copos de cristal.
Tão reservados como os licores estrangeiros.
Tão confortáveis como o ar condicionado.

Há poetas que se amam a si mesmos.
Há poetas que escrevem de modo a não sujar os dedos.
Há poetas que nunca se misturam
para não se comprometerem com os homens.

Poetas que comem o pão
que o povo amassou.

 
Joaquim Pessoa, in Antologia inclusa na obra “Guardar o Fogo”, capítulo “português
suave”, página 194, Edições Esgotadas, 2013.

 

decerto sabes

 
Decerto sabes. De certos sábios
se aprende mais, talvez, a não falar.
É tolo escrever versos com os lábios
quando se pode, apenas, respirar.

Bom dia! Isto sim, é uma aresta
de qualquer verso a mais num telefonema.
As rugas são a pauta que há na testa
se ainda não é desta que o poema

irá morder a língua, irá calá-la
até que outra palavra se derrame
e possa transformar silêncio em fala.

Então é ver a coisa mais infame:
o riso é como o estoiro de uma bala
e as palavras aplaudem o vexame.

 
Joaquim Pessoa, in Antologia inclusa na obra “Guardar o Fogo”, capítulo “sonetos perversos”, página 197, Edições Esgotadas, 2013.    

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